Eu estava num bar, sozinho. Uma garota se aproximou, cheia de patrocínios na camiseta, e me deu o convite para uma festa, dizendo: "Cara, essa balada vai mudar a sua vida." Pensei um pouco com meus botões e respondi: "Então eu não vou. Não quero que a minha vida mude." Ela não entendeu, achou que eu estava tirando sarro da cara dela e saiu distribuindo seus convites festivo-revolucionários entre as outras mesas.
Se ela quisesse ouvir, eu diria que estou feliz com a minha vida: namoro a garota que eu amo, trabalho com o que mais gosto, moro numa casa com churrasqueira e não tenho nenhuma doença. Claro, nem tudo é maravilhoso, mas somando as minhas angústias com as minhas conquistas, minhas topadas de dedinho do pé no batente da porta com meus primeiros goles de chope gelado, minhas horas no trânsito com minhas horas na praia, e tirando a média, acho que sou feliz. Não sou bobo de achar que é mérito só meu a minha felicidade. Tive tudo a meu favor: pais maravilhosos, comida boa, escola liberal, livrinhos, filminhos e disquinhos coloridos, a bola oficial de cada copa e, quando mesmo com tudo isso percebi que não estava contente, meus pais me levaram a uma psicóloga para me ajudar com as minhas angústias.
A felicidade é uma conquista difícil. Difícil, mas não impossível, nem tão distante da nossa realidade. O pensamento que deu origem à frase da garota me parece ser o seguinte: a felicidade é o oposto do que vivemos. Isso se expressa bem naquela ideia que temos do cara que ganha na loteria, larga TUDO e vai para uma ilha deserta ser feliz. Que horror! Se para ser feliz é preciso largar TUDO, então NADA do que fazemos é legal?! Será que nossas vidas são mesmo esse desastre? Acho que não. Claro, acho que nem todo mundo é feliz. Mas não acho que para eles serem teriam que largar TUDO e mudar completamente.
Acho que a felicidade está muito mais em conseguirmos ser felizes do jeito que somos do que em mudar o nosso jeito. Não estou dizendo: contente-se com um prato de feijão com farinha por dia, pobre criatura, não reclame e tente ser feliz. Acho que a gente tem que ter uma busca de mão dupla: ao mesmo tempo em que tentamos mudar o que achamos estar errado (em nós e no mundo), temos que tentar nos adequar a quem somos e ao que temos.
Só seremos felizes se estivermos contentes. Parece uma frase idiota, mas não é. Você já parou para pensar na palavra contente? Vem do verbo conter. Seremos felizes se nossa realidade for capaz de conter os nossos desejos. Se nossos anseios forem muito maiores que nossas possibilidades, estamos fritos. Não podemos entrar nessa de filminho bobo de Hollywood, em que basta querer muito que nossos sonhos se realizam. Mentira! Sermos milionários, dez centímetros mais altos ou viver sem termos que trabalhar não está ao nosso alcance. Ser feliz, sim, está.
Sobre o autor:
Antônio Prata (São Paulo, 24 de agosto de 1977) é um escritor e roteirista brasileiro que escreve aos domingos no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo e é roteirista contratado pela Rede Globo, onde colaborou na novela Avenida-Brasil. Escreveu crônicas para a revista Capricho entre 2001 e 2008 e também para o jornal O Estado de São Paulo, entre 2003 e 2009.
Foi um dos 16 participantes do projeto Amores Expressos, passando um mês em Xangai para escrever um romance, até hoje não publicado.
Em 2012, foi incluído na edição brasileira da revista Granta como um dos vinte melhores escritores nacionais com menos de 40 anos. Em novembro de 2013, publicou o livro de contos e crônicas semi-memorialísticas Nu, de botas, pela editora Companhia das Letras.
É filho dos também escritores Mário Prata e Marta Góes.
Caraca texto lindo
ResponderExcluirNa crônica "Felicidade sem ilha deserta" há uma aproximação maior entre o texto e a literatura ou entre o texto e o jornalismo? Justifique sua resposta.
ResponderExcluirQual é a relação de humor provocada na crônica "Felicidade sem ilha deserta" ?
ResponderExcluirAnalise o que acontece em cada parágrafo da crônica quero que você entendeu com suas próprias palavras:
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